Estudo de Harvard aponta que quanto mais forte o senso de propósito na vida, mais ativas as pessoas são, e quanto mais ativas são, mais propósito têm.
Recentemente, um estudo americano longitudinal, que durou nove anos e foi publicado no Journal of Behavioral Medicine, apontou que a prática regular de atividade física pode estar associada à capacidade do ser humano de encontrar propósito na vida. Basicamente, a pesquisa mostrou que, quanto mais forte o senso de propósito, mais ativas as pessoas são e vice-versa. Ou seja, o estudo revelou uma relação bidirecional e prospectiva entre vontade de viver e ter projetos e a atividade física. Mas, afinal, o que seria “propósito na vida”? Os pesquisadores que lideraram a pesquisa definem este termo como a habilidade de desenvolver “metas e objetivos que dão direção e significado à vida.”
Para compreender como essa relação entre mais vontade de viver e atividade física se dá, do ponto de vista metabólico e da neurociência, foram entrevistados o médico endocrinologista e do esporte, Ricardo Oliveira e a Profissional de Educação Física e Pesquisadora na área, Barbara Pires.
O estudo
O estudo, publicado no periódico científico americano “Journal of Behavioral Medicine” e liderado por pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e da Universidade de Warwick, no Reino Unido, acompanhou mais de 14 mil pessoas, entre homens e mulheres a partir dos 50 anos, por nove anos para avaliar a possibilidade de uma relação bidirecional entre o senso de propósito na vida e a prática da atividade física. As duas principais perguntas que o estudo se empenhou em responder foram:
Será que indivíduos com maiores níveis de senso de propósito na vida experimentariam mudanças mais positivas nos níveis de atividade física com o passar dos anos?
Um segundo objetivo do estudo foi investigar se a atividade física poderia prever o senso de propósito na vida de uma pessoa no futuro. Os voluntários da pesquisa eram adultos de meia-idade e mais velhos, que preencheram questionários de autoavaliação.
“Os pesquisadores afirmaram que as pessoas com um maior senso de propósito na vida podem ser mais propensas a se envolver em atividades físicas, ao mesmo tempo que a atividade física pode contribuir para uma sensação de propósito na vida. Um aumento no senso de propósito na vida foi capaz de prever uma maior atividade física quatro anos depois. Ainda, a atividade física foi positivamente associada a níveis futuros de senso de propósito na vida. Além disso, o estudo mostrou que o senso de propósito na vida pode ser um preditor único de atividade física como um aspecto de bem-estar psicológico”, explica Barbara Pires.
Contudo, segundo Ricardo Oliveira, é válido ressaltar que, em se tratando em um estudo de observacional, os resultados devem ser chamados de associação, não se podendo definir relação de causa e efeito. Ou seja, segundo esse estudo, indivíduos que se exercitavam mais tinham maior vontade de viver. Por outro lado, indivíduos com maior vontade de viver se exercitavam mais, o que define a associação.
“Estudos anteriores a este, que não acompanharam as pessoas ao longo do tempo (o que chamamos de estudos transversais), mostraram uma associação positiva entre senso de propósito e atividade física. Já este estudo conseguiu acompanhar um número robusto de pessoas ao longo do tempo (estudo longitudinal). Os pesquisadores encontraram uma relação positiva e recíproca (bidirecional) entre senso de proposto na vida e atividade física entre adultos de meia-idade e mais velhos”, acrescenta a professora e pesquisadora.
Como a atividade física aumenta a vontade de viver?
A atividade física confere diversos benefícios à saúde. E, quando falamos de saúde, estamos nos referindo ao bem-estar físico, mental e social, e não apenas à mera ausência de doença ou enfermidade. Contudo, Barbara Pires salienta que o conceito de saúde em nossa sociedade encontra-se distorcido e muitas vezes associado ao corpo magro ou padrões de beleza muito difíceis de serem alcançados.
De acordo com Ricardo Oliveira, a atividade física, sem dúvida alguma, é uma das ferramentas terapêuticas de melhor custo e efetividade. Ela já foi estudada, testada e validada em diversas doenças, e em mais de 20 há evidências científicas de que o exercício físico pode trazer benefícios. Mas, afinal, como a atividade física pode aumentar o propósito e a vontade de viver das pessoas?
“Nesse caso específico, é importante salientar que a atividade física leva a uma série de alterações neuro-hormonais que fazem a pessoa se sentir melhor, como uma maior sensação de relaxamento, menor nível de ansiedade e melhora de sintomas depressivos. Então, é possível que o exercício físico, por meio das milhares de substâncias liberadas na corrente sanguínea, inclusive hormônios relacionados ao bem-estar, é possível que a atividade física, sim, promova um maior propósito de viver, um maior nível de felicidade”, destaca o médico, referindo-se especialmente à endorfina, hormônio que promove a sensação de recompensa e bem-estar.
Para Barbara, não faltam evidências científicas para que as pessoas se movimentem, o que precisamos é humanizar este processo. A pesquisadora aponta que, para que todos possam se beneficiar do exercício, o mais recomendado é encontrar aquele que faz bem para cada indivíduo e estimular a inserção desta atividade na rotina da pessoa, tornando-se um hábito. Para isso, o autoconhecimento e a ajuda de profissionais qualificados e humanizados fazem toda a diferença.
As diretrizes de 2020 da Organização Mundial da Saúde recomendam que adultos pratiquem ao longo da semana, pelo menos, 150 a 300 minutos de exercícios físicos aeróbicos com intensidade moderada ou 75 a 150 minutos de atividade física aeróbica vigorosa, ou alguma combinação equivalente de atividade física aeróbica de intensidade moderada e vigorosa. Além disso, é importante fazer exercícios de resistência e fortalecimento muscular, pelo menos duas vezes por semana.
“O mais importante é o médico explicar para o paciente a importância da atividade física. Hoje, o hábito de estar sentado por horas a fio é considerado um novo tabaco. Há mais pessoas que sofrem de sedentarismo do que sofrem com o vício do tabaco. Então, isso é um problema de saúde pública, sendo papel do médico identificar o sedentarismo ao longo da consulta e estabelecer a importância que a prática regular de atividade física a longo prazo tem na prevenção de diversas doenças, tanto da esfera física como mental”, conclui Ricardo Oliveira.
Os dados das pesquisas científicas apontam que o sedentarismo é uma doença crônica que aumenta o risco de várias outras doenças metabólicas, como diabetes e obesidade, bem como doenças na esfera da saúde mental, como depressão e ansiedade. Dessa forma, Ricardo Oliveira destaca que é muito importante que o médico esteja atento ao nível de atividade física do indivíduo. Existem instituições que sinalizam que o nível de atividade física deveria ser uma espécie de um quinto sinal vital.
“Então, uma vez que o médico identifique o comportamento sedentário do indivíduo, é muito importante que ele tente estimular que o mesmo inicie a prática de algum tipo de atividade física, lembrando sempre que a melhor a atividade física é aquela que o indivíduo mais gosta; afinal, é a que tem a maior chance adesão, sobretudo a longo prazo. Portanto, é papel do médico identificar o sedentário e estimulá-lo. Uma boa forma de se motivar é por meio do próprio exemplo, ou seja, sendo uma pessoa fisicamente ativa, sobretudo no mundo atual em que todos sabemos da vida de todos por meio das redes sociais. Então, ser ativo é uma boa pedida para o próprio médico, para que ele possa servir de exemplo. Vale ressaltar, ainda, que o impacto do exercício físico vai muito além de perda de peso, promovendo melhora de dezenas de doenças, e é isso que o médico deve passar ao paciente”, recomenda o médico do esporte.
Nesta tarefa importante de encorajar as pessoas a saírem do sedentarismo, as descobertas reveladas a partir do estudo desenvolvido pelos pesquisadores da Universidade de Harvard e da Universidade de Warwick podem ser muito úteis. Afinal, os resultados obtidos sugerem que o sentido de propósito na vida e a participação em atividades físicas podem operar como um espiral ascendente que leva a maior saúde, bem-estar e longevidade em fases posteriores da vida. E quem não quer envelhecer com saúde? De acordo com Barbara Pires, as estatísticas globais apontam que muitas pessoas, especialmente adultos de meia-idade e mais velhos, não se envolvem em atividades em níveis suficiente, e algo que precisa ser considerado são as estratégias motivacionais relacionadas à mudança de comportamento no contexto da atividade física e sua relação com o envelhecimento.
“O propósito surge de ter metas e objetivos que dão sentido e direção à vida. Psicólogos têm argumentado por muito tempo que o senso de propósito é uma vontade de viver e uma motivação para tomar decisões que prolongam a vida, como a própria prática da atividade física. Como afirmam Ryff & Singer, ‘cuidar bem de si mesmo em termos de práticas de saúde diária pressupõe uma vida que vale a pena cuidar’. Precisamos promover a atividade física como estratégia de autocuidado e bem-estar e estimular a pessoas a praticarem e inserirem em sua rotina uma atividade que seja prazerosa; dar um novo significado ao exercício e sua relação com o que chamamos de saúde é muito importante e uma questão de saúde pública também”, aponta a profissional.
Fonte: Eu Atleta